Olhando de cima, vê-se uma escada espiralada e de dimensão incalculável. Dá tonturas.
Saí de uma floresta recoberta, donde não se vê o céu claramente e as folhas de cores mistas, nos confundem. Às vezes escuras ou claras, e com diferentes intensidades de brilho, todas molhadas. O chão de um marrom escuro e com decomposições e criaturas e mágica. Aquilo tudo cheira a tudo. Como se coubesse o mundo – e cabia – naquele lugar. Como se o chão respirasse e as árvores e suas folhas balançavam; ora suavemente, ora com um chacoalhar abrupto e resoluto. Eu não sentia que estava sendo observada, sentia sim, que não conseguia enxergar tudo que estava ali dentro. Cada ângulo que eu olhasse, via movimento, vida, cor e sumia.
Um som grave emanava das árvores, inconstante porém suave, acompanhados de um perfume doce e acre, que meus poros absorviam. Misturado à tudo isso estava o cheiro de terra e de ninguém.
Eu sempre estive sozinho aqui. Com todo o mundo, e sem ninguém. Quero descer as escadas e à cada passo, degrau, o som vai variando. Daquele grave e penetrante, para uma musica colorida, de milhares de cores. De um só gosto: doce. Cores vibrantes! Rosa, laranja, amarelo, roxoazullilás, de repente desço mais rápido e o som vai novamente mudando, mas agora é algo disforme uma massa de cores fundidas e um som que quase chega a ser dissonante, mas eu consigo perceber que as notas soam ainda um pouco doces, mas algo picante ou salgado começa a aparecer. Essa sensação sinestésica pára.
Eu sou agora uma menina de 4 anos e começo a correr. Estou inicialmente correndo para qualquer canto e continuo. Vejo uma borboleta azul e roxa, brilhante. Pego e ela me escapa. O mundo passa rápido enquanto meus pés tocam o chão e se afundam na lama, na grama e o sol me assola. Eu não sinto nada. A adrenalina é latente e minhas mãos se esticam, voltam e reclamam e desejam. Mas a borboleta ainda foge e parece que cada vez ela vai mais rápido. Ao meu redor passam árvores, fadas, duendes, pessoas, carros, aviões, cavalos, suor, desejos e eu só vejo o verde , azul e roxo. A borboleta é linda, é linda e voa. E eu vôo atrás dela mais e mais rápido, no entanto não sinto cansaço. Não sinto dor nas juntas, mas meu braço está mais longo. Descubro atalhos e continuo seguindo correndo, saltando, voando. Sinto uma súbita dor nas costas e meus membros pedem que eu pare. Sinto minha barriga ganhar volume e meus seios incharem, meus quatro anos passaram e eu estou grávida, da minha consciência. Continuo correndo e deixo pra trás o feto, o aborto da minha razão. Finalmente parece que vou alcançar a borboleta então, eu saio de mim. E do céu, agora visível, vejo meu corpo estirado, com meus reumatismos, síndromes e dores. A borboleta se transforma, assumindo a figura de uma mulher. É uma mulher de aparência meiga e solitária. De cabelos pretos , de olhos profundos e das dores do universo. Me questionei se era a morte, acredito que não. Aquela era eu, mas eu não me reconheço. A minha personalidade viva levanta meu corpo morto e me leva para o espaço vazio. E eu permaneço no nada. Para sempre.
Este foi um sonho que tive essa semana. Muito daí não é real ou talvez o seja, mas sinceramente, cabe ao tempo dizer.